Os meios adequados de solução de conflitos e sua recepção pela legislação pátria

O emprego de meios adequados de solução de conflitos, segundo leciona Mauro Cappelletti, não é uma ideia nova, posto que a mediação, a conciliação e a arbitragem sempre foram elementos importantes em matéria de solução de conflitos[1].

Não obstante, aponta o jurista que “as sociedades modernas descobriram novas razões para preferir tais alternativas”[2] e essas razões estariam diretamente ligadas à terceira onda do movimento de aceso à justiça[3], voltada à busca pela qualidade dos resultados obtidos por meio da jurisdição e dos equivalentes jurisdicionais.

Observa-se, portanto, a existência de um movimento de adoção de mecanismos adequados para solução de conflitos, com estímulo à utilização dos meios autocompositivos[4].

De fato, com vistas a obter maior eficiência na prestação jurisdicional, no Brasil, ocorreram inúmeras reformas legislativas e mesmo medidas administrativas foram tomadas na tentativa de gerar um processo mais célere, justo e menos complexo.

Aponta-se como exemplo a criação dos Juizados Especiais Cíveis que surgiram como um novo modelo processual voltado a atender as demandas de baixo valor e pouca complexidade[5], construído com base na efetivação da garantia do acesso à justiça[6] e nos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e incentivo à conciliação das partes[7].

Posteriormente, os meios consensuais, principalmente a mediação e a conciliação, ganharam considerável impulso com a assinatura, em 2009, pelos chefes dos três Poderes da República, do “II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Efetivo”[8], que consolidou a política nacional de estímulo à solução consensual de conflitos[9].

Na sequência, o Conselho Nacional de Justiça editou, em 2010, a Resolução n°125[10], que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses, com o objetivo de assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade[11], deixando ao Poder Judiciário a incumbência de oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias além dos adjudicatórios, em especial os meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.

Afinado com a Resolução Nº125/2010 do CNJ está o novo Código de Processo Civil que, conforme exposição de motivos de PLC 8.046/2010, dá ênfase aos meios consensuais como forma de composição justa dos conflitos[12].

O Código de Processo Civil (CPC) prestigiou a utilização da mediação e da conciliação como métodos de solução de conflitos e, logo no capítulo das Normas Fundamentais do Processo Civil, estabelece que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos[13]. Em seguida, afirma que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial[14].

Mais que estimular a utilização dos métodos consensuais de solução de conflitos[15], o novo Código de Processo inovou e previu a realização obrigatória da audiência de mediação ou conciliação antes da apresentação da contestação, a qual, segundo a lei, somente não será realizada nos casos em que ambas as partes manifestarem desinteresse na composição[16] ou quando o conflito não admitir composição[17].

Para viabilizar a realização da audiência de mediação e de conciliação e estimular a utilização dos métodos de solução consensual de conflitos, além de prever a audiência de mediação ou conciliação initio litis, o novo Código Processual, assim como a Resolução Nº125/2010 do CNJ, também determinou a criação de Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos e regulamentou a atuação dos conciliadores e mediadores como auxiliares da justiça[18].

Posteriormente à promulgação do novo CPC, o legislador elaborou a Lei de Mediação[19] que dispõe sobre a mediação entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos envolvendo a administração pública, seja no âmbito judicial ou no extrajudicial[20].

Com a promulgação do novo Código de Processo Civil e também da Lei de Mediação, pode-se dizer que o ordenamento jurídico brasileiro, incorporou, definitivamente, os meios consensuais como formas de resolução de conflitos[21].

Atualmente, portanto, pode-se afirmar que os marcos regulatórios que regem a aplicação dos métodos consensuais no Brasil, além da Resolução Nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (norma administrativa), são o novo Código de Processo Civil e a Lei de Mediação[22].

Pode-se falar, assim, em um minissistema brasileiro[23] de métodos consensuais de solução judicial de conflitos formado pelos marcos regulatórios referidos.

Demonstra-se, desta forma, que a distribuição da justiça pode ser feita mediante instrumentos judiciais e extrajudiciais ou ambos[24], que devem ser escolhidos de acordo com as peculiaridades do conflito e sua aptidão para solucioná-lo da forma mais adequada[25].

Portanto, observa-se que o Brasil adotou do sistema multiportas a ideia da necessidade de oferecimento de vários métodos adequados de solução de conflitos, mas não o procedimento em si considerado de análise prévia do conflito por um especialista e de orientação para o seu adequado encaminhamento e tratamento.

Na realidade, o ordenamento brasileiro optou por um procedimento diferente do incialmente pensado por Frank Sander e previu o encaminhamento do conflito ao meio autocompositivo mais adequado somente após o ajuizamento da ação judicial.

Assim sendo, pode-se afirmar que houve um “abrasileiramento” do modelo norte-americano. Resta saber, portanto, se o modelo adotado pelo Brasil está sendo eficaz e se está cumprindo com o quanto pretendido.


[1]                     Cappelletti, Mauro.  (Abr-Jun 1994) Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça. Revista de processo, São Paulo, ano 19, n. 74, p. 88.

[2]                     Cappelletti, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça, cit., p. 88.

[3]                     Cappelletti, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça, cit., p. 88.

[4]                     O instituto da mediação está regulamentado nos Estados Unidos, na Argentina, no Uruguai, no Japão, na Austrália, na Itália, na Espanha, na França, dentre outros países. O Conselho da União Europeia, inclusive, emitiu a Diretiva N° 52, de 21 de maio de 2008 que incentiva a adoção da mediação pelos países membros.

[5]                     Artigo 3º da Lei Nº 9.099/95.

[6]                     Watanabe, Kazuo. Modalidade de Mediação. Disponível em: http://www.tjap.jus.br/portal/images/stories/documentos/Eventos/Texto—Modalidade-de-mediacao—Kazuo-Watanabe.pdf. Acesso em 13 de junho de 2018.

[7]                     Artigo 2º da Lei Nº 9.099/95.

[8]                     Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/outros/iipacto.htm.

[9]                     Zaneti JR., Herme y; Cabral, Trícia Navarro Xavier. (2016). Apresentação. In: ZANETI JR., Hermes; Cabral, Trícia Navarro Xavier (Coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada de conflitos. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, p. 6. (Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 9).

[10]                   Conselho Nacional de Justiça (Brasil). Resolução Nº 125, de 29 de novembro de 2010. Disponível em:  http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579. Acesso em 10 de julho de 2018.

[11]                   Almeida Neto, Joaquim Domingo. (2016). A Mediação no Contesto Judiciário e os Meios Adequados de Resolução de Disputas. In: Almeida, Tania; Pelajo, Samantha y Jonathan, Eva. (Coords). Mediação de Conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes. Salvador: Juspodivm, p.727.

[12]                   Item 2º do PLC 8.046/2010: “ Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz.”

[13]                   Artigo 3º, § 2º da Lei Nº 13.105/15.

[14]                   Artigo 3º, § 3º da Lei Nº 13.105/15.

[15]                   Vide artigo 3º, §3º da Lei Nº 13.105/2015.

[16]                   No tocante à discussão doutrinária acerca da obrigatoriedade de comparecimento na audiência de mediação ou conciliação, importante destacar que não há que se falar em violação ao princípio da autonomia da vontade, uma vez que a obrigatoriedade diz respeito ao comparecimento à audiência e não à composição.

[17]                   Artigo 334, caput e parágrafos da Lei Nº 13.105/2015.

[18]                   Artigo 165 e seguintes da Lei Nº 13.105/2015.

[19]                   Brasil. Lei Nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Lei de Mediação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm.

[20]                   Zanetti JR., Hermes y Cabral, Trícia Navarro Xavier. (2016). Apresentação. In: Zanetti JR., Hermes y Cabral, Trícia Navarro Xavier (Coords.). Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada de conflitos. 1ª ed. Salvador: Juspodivm, p. 7. (Coleção Grandes Temas do Novo CPC, v. 9).

[21]                   Segundo Mauro Cappelletti: “(…) há situações em que a justiça conciliatória (ou coexistencial) é capaz de produzir resultados que, longe de serem de ‘segunda classe’ são melhores, até qualitativamente, do que os resultados do processo contencioso.” (Cappelletti, M. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça. Revista de processo, São Paulo, ano 19, n. 74, abr.-jun. 1994, p. 90).

[22]                   Grinover, Ada Pelegrini. (2015). Os Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Novo CPC. In: O Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. Vários autores. São Paulo: Atlas, p. 1.

[23]                   Expressão cunhada pela Profa. Ada Pellegrini Grinover em: Os Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Novo CPC. In: O Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. Vários autores. São Paulo: Atlas, p. 2.

[24]                   Além das técnicas puras de resolução de conflitos, há formas híbridas que mesclam métodos heterocompositivos e métodos autocompositivos de composição de litígios.

[25]                   Almeida Neto, J. D. A Mediação no Contesto Judiciário e os Meios Adequados de Resolução de Disputas, cit., p. 714.