Introdução

O Direito Processual Civil está passando por uma profunda transformação, na qual a solução adjudicada estatal deixa de ter primazia na distribuição da justiça.

Essa mudança de diretriz é verificada não só no Brasil como na maioria dos sistemas jurídicos (civil law e common law) e decorre da busca pela satisfação das partes com a solução dada ao litígio em oposição a insistência na solução adjudicada adversarial, incerta[1] e, na grande maioria das vezes, tardia.

Assim, ampliou-se os instrumentos de distribuição da justiça, incluídos, entre eles, os mecanismos adequados de solução de conflitos, dentre os quais tem se destacado a conciliação, a mediação e a negociação, além das formas combinadas de uns e outros[2].

O sistema de múltiplas portas idealizado por Frank E. A. Sander reflete a tendência contemporânea de desjudicialização e tratamento adequado dos conflitos através do direcionamento de cada uns dos litígios ao método mais adequado para a sua solução.

Nesse contexto, a decisão judicial passa a ser vista como espécie do gênero jurisdicional que “abrange toda decisão de controvérsia no âmbito judicial ou administrativo”[3] (jurisdição em sentido amplo).

Resta evidente, portanto, que no modelo de múltiplas portas a Justiça Estatal deixa de ser o canal mais indicado para a resolução de toda e qualquer controvérsia[4] e, nos casos que comportam autocomposição ou aplicação de outra técnica de composição, passa a ser a ultima ratio.

A proposta do presente artigo é analisar o sistema de múltiplas portas proposto por Frank E. A. Sander e verificar se o ordenamento jurídico brasileiro realmente adotou o modelo multiportas norte-americano. Respondida a questão, analisar-se-á o sistema adotado pelo Brasil e os desafios para a sua aplicação.


[1]                     Em razão da dispersão jurisprudencial, pode-se afirmar que ainda não atingimos a segurança jurídica necessária para a previsão do resultado do processo quando do ingresso no Judiciário.

[2]                     Mancuso, Rodolfo de Camargo. (2015). Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas, 2ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 404.

[3]                     Meirelles, Hely Lopes. (2003). Direito administrativo brasileiro. 28ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo et al., São Paulo: Malheiros, p. 79.

[4]                     Nesse sentido, alertam Alexandre Servino Assed e Larissa Davidovich que: “A ideia de que só o Judiciário estaria apto a solucionar desavenças de todas as naturezas gradativamente vem perdendo força e ganhando novos contornos.” (Assed, Alexandre Servino; Davidovich, Larissa. A nova lei de mediação: comentários e reflexões. In: Almeida, Tania; Pelajo, Samantha y Jonathan, Eva (Coords). Mediação de Conflitos: para iniciantes, praticantes e docentes. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 333).