Dispensa da audiência e validade do procedimento

A não designação da audiência de mediação ou conciliação no início do procedimento comum nos casos obrigatórios ensejaria a nulidade de todo o procedimento?

O STJ ainda não decidiu sobre a questão, mas, a título de ilustração, analisou-se os entendimentos adotados pelos Tribunais de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná[1].

O Tribunal de Justiça de São Paulo entende que não haveria nulidade na não designação da audiência de mediação ou conciliação em nenhuma hipótese, seja porque a designação da audiência seria mera faculdade do julgador[2]; ou porque “a falta de realização de audiência de conciliação jamais implicou nulidade (artigo 334, CPC), já que as partes podem transigir a qualquer momento”[3]; e mesmo nos casos em que somente uma das partes tenha manifestado desinteresse[4], o Tribunal paulista entende que não há nulidade na inobservância do dispositivo legal (artigo 334 do CPC), haja visto que a composição pode ser realizada a qualquer momento.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na mesma linha do Tribunal paulista, entende que não haveria nulidade na ausência de designação da audiência inicial, em razão de a mesma, segundo o Tribunal mineiro, não ser obrigatória, podendo as partes transacionarem a qualquer momento[5].

Também o Tribunal de Justiça do Espírito Santo não verifica a existência de nulidade procedimental na dispensa da audiência de conciliação ou mediação, sob a justificativa de que o mero desinteresse demonstrado por apenas uma das partes bastaria para a não realização da audiência, mesmo porque a sua designação seria mera faculdade do juiz, que deveria observar os princípios da celeridade e economia processual[6]. Além disso, o Tribunal capixaba entende que a nulidade por ausência de realização da audiência inicial somente ocorreria caso demonstrado efetivo prejuízo para as partes[7].

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro possui decisões no sentido de que o procedimento seria nulo por desrespeito às normas procedimentais impositivas[8] e no sentido de que não haveria qualquer nulidade, pois as partes poderiam, a qualquer tempo, buscar a composição extrajudicial[9].

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui decisões em ambos os sentidos. Seguindo a linha de que não haveria nulidade na ausência de designação da audiência, o Tribunal entende que, se a parte não demonstra nenhum indicativo de que teria interesse em transigir, seria desnecessária a designação da audiência[10]. Por outro lado, o Tribunal possui decisão no sentido de que seria necessária a manifestação expressa de desinteresse de ambas as partes para a dispensa da audiência[11]. 

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina igualmente possui julgados aplicando a nulidade do procedimento em razão da inobservância do preceito legal e do incentivo dado pela lei à resolução amigável das controvérsias[12], porém, em outros casos, afasta a nulidade do procedimento por inexistência de demonstração de prejuízo às partes e pela possibilidade de autocomposição extrajudicial a qualquer tempo[13].

Por fim, o Tribunal de Justiça do Paraná possui julgados no sentido de que haveria nulidade do procedimento em razão do prejuízo pela não designação da audiência para tentativa de autocomposição[14], mas, por outro lado, possui julgados afastando a nulidade processual ante a ausência de designação da audiência prévia à contestação sob a justificativa de que as partes poderiam se compor a qualquer momento[15], e que não haveria prejuízo na sua dispensa quando uma das partes manifestasse desinteresse na composição[16], sendo prestigiados os princípios da celeridade e economia processual[17].

Observa-se que, conforme adiantado, muitos são os motivos que levam à dispensa da designação da audiência de conciliação ou mediação e esses motivos têm sido empregados para fundamentar a ausência de reconhecimento de nulidade dos casos em que houve dispensa da audiência inicial com inobservância dos preceitos legais.

Por outro lado, alguns são os julgados que reconhecem a necessidade de observância da determinação legal, porém, ainda são menos numerosos que os julgados admitindo a dispensa, fora das hipóteses legais, da realização da audiência inicial.

Assim, em vista do panorama acima delineado, verifica-se que a jurisprudência tem se encaminhado para a criação de novas hipóteses de dispensa da audiência de conciliação ou mediação do início do procedimento comum em desconformidade com a norma legal e que tais descumprimentos da norma do artigo 334 CPC não tem ensejado, na grande maioria das vezes, a nulidade do procedimento.

Dessarte, caso sejam admitidas essas novas hipóteses de dispensa, ou pior, se entenda pela não obrigatoriedade da designação da audiência do artigo 334 do CPC/2015, a previsão do referido artigo pode tornar-se “letra morta”, assim como ocorreu com a audiência prevista no artigo 331 do CPC/73, o que representaria uma grande perda para o processo civil brasileiro, haja vista os benefícios e a importância de se ofertar aos jurisdicionados meios adequados de tratamento de conflitos.

Por isso, se faz necessária uma reflexão, ainda neste período inicial de interpretação e aplicação do Código de Processo Civil, sobre qual caminho deseja-se seguir, se pelo caminho do tratamento adequado dos conflitos, através do direcionamento de cada uns dos litígios ao método mais adequado para a sua solução, ou se pelo caminho da solução judicial adjudicatória. Esta decisão moldará a atuação futura do Judiciário, dos profissionais do direito (advogados, defensores públicos, promotores, servidores, etc.) e poderá direcionar a evolução da aplicação dos meios consensuais.


[1]                     A pesquisa fora realizada somente nos Tribunais do Sul e Sudeste.

[2]                     TJSP – Apelação 1001273-35.2016.8.26.0584; Relator(a): Paulo Ayrosa; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Pedro – 2ª Vara; j: 14/03/2017.

[3]                     TJSP – Apelação 1014188-27.2016.8.26.0161; Relator(a): Melo Colombi; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Diadema – 3ª Vara Cível; j: 18/05/2018.

[4]                     TJSP – Apelação 1003464-28.2017.8.26.0484; Relator(a): Tavares de Almeida; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Promissão – 1ª Vara Judicial; j: 30/05/2018.

[5]                     TJMG – Agravo de Instrumento 1.0000.17.040809-0/001, Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho, Órgão Julgador: 12ª Câmara Cível; j: 16/08/2017.

[6]                     TJES – Apelação 0041087-50.2009.8.08.0024; Relator(a): Des(a). Walace Pamdolpho Kiffer; Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível; j: 14/08/2017.

[7]                     TJES – Apelação 0005687-53.2016.8.08.0048; Relator(a): Des(a). Manoel Alves Rabelo; Órgão Julgador: 4ª Câmara Cível; j: 15/05/2017.

[8]                     TJRJ – Apelação 0038360-92.2016.8.19.0210; Relator(a): Des(a). Tereza Cristina Sobral Bittencourt Sampaio; Órgão Julgador: 27ª Câmara Cível; j:  21/03/2018.

[9]                     TJRJ – Apelação 0213722-56.2016.8.19.0001; Relator(a): Des(a). Andre Emilio Ribeiro Von Melentovytch; Órgão Julgador: 21ª Câmara Cível; j: 15/05/2018.

[10]                   TJRS – Apelação Cível Nº 70075088120, Relator(a): Pedro Celso Dal Pra; Órgão Julgador: 18ª Câmara Cível; j: 14/12/2017.

[11]                   TJRS – Agravo de Instrumento Nº 70072501646, Relator(a): Sandra Brisolara Medeiros; Órgão Julgador: 7ª Câmara Cível; j: 29/03/2017.

[12]                   TJSC – Apelação Cível n. 0306526-47.2017.8.24.0008, Relator(a): Des. Denise Volpato, Órgão Julgador: 6ª Câmara Cível; j: 15/05/2018.

[13]                   TJSC – Agravo de Instrumento Nº 4019065-74.2017.8.24.0000, Relator(a): Des. Jaime Machado Junior; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Comercial; j: 03/05/2018.

[14]                   TJPR – Apelação Cível Nº 1653811-3, Relator(a):  Jefferson Alberto Johnsson; Órgão Julgador: 17ª Câmara Cível; j: 07/02/2018.

[15]                   TJPR – Apelação Cível Nº 1711606-4 – Goioerê – Relator(a): José Augusto Gomes Aniceto; Órgão Julgador: 9ª Câmara Cível; j: 28/09/2017.

[16]                   TJPR – Apelação Cível Nº 1725544-8 – Chopinzinho – Relator(a): Francisco Luiz Macedo Junior; Órgão Julgador: 9ª Câmara Cível; j: 03/05/2018.

[17]                   TJPR – Apelação Cível Nº 1704176-0 – Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de Londrina – Relator(a): Lenice Bodstein; Órgão Julgador: 11ª Câmara Cível; j: 29/11/2017.