Dispensa da audiência de mediação ou conciliação

O Código de Processo Civil, como visto, estabelece a obrigatoriedade da realização da audiência preliminar de mediação ou conciliação, podendo a mesma ser dispensada só nas hipóteses legais, porém, o que se tem visto na prática é que muitos juízes e Tribunais, ignorando a imperatividade do tempo verbal empregado no artigo (“designará”), estão deixando de designar a audiência por inúmeros motivos.

Um dos motivos pelos quais a audiência não está sendo designada é a invocação da violação da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII da CF e artigo 139, II do CPC).

Em muitos casos, os magistrados têm justificado a dispensa da audiência com base na demora para o agendamento e a realização da mesma, acrescentando que eventual audiência poderia ser designada, a qualquer tempo e futuramente, caso verificado o interesse.

Ocorre que, inobstante a indisponibilidade de datas para a realização das audiências[1], entende-se que referida justificativa está relacionada a um obstáculo estrutural (ausência de CEJUSCs e profissionais suficientes para atendimento da demanda), que não justifica a dispensa da audiência e a inobservância da determinação legal, mas exige a implantação do quanto determinado pelo Código, seja na designação da audiência, seja quanto a implantação dos CEJUSCs[2].

Ademais, nos casos em que houver a composição e a mesma for obtida nesta audiência inicial, a duração razoável do processo não restará comprometida, pelo contrário, haverá o tratamento adequado do conflito e o encerramento célere da contenda[3], de modo que a invocação da violação à duração razoável do processo não seria motivo suficiente para desobedecer a previsão da lei.

Outro motivo usualmente evocado para a dispensa da realização da audiência logo no início do procedimento comum é a possibilidade de designação de audiência a qualquer momento.

Não obstante exista essa possibilidade, entende-se que quanto mais o processo se desenvolve, com a troca de acusações pelas partes e o escalonamento do conflito, mais difícil é de se obter uma solução consensual[4]. Daí a importância da realização da audiência antes mesmo da apresentação da contestação, de modo que a justificativa de que a composição pode ser tentada a qualquer momento não é válida.

Outra fundamentação recorrente para a dispensa da audiência é a demonstração, por uma das partes, de desinteresse na sua realização, invocando-se o princípio da voluntariedade que orienta a aplicação dos métodos consensuais para justificar que, caso uma das partes demonstre desinteresse na autocomposição, não haveria possibilidade de composição e, assim, não haveria necessidade de realização da audiência inicial.

Ocorre que, por mais que a mediação e a conciliação sejam orientadas pela voluntariedade das partes, a lei é impositiva ao prever que a dispensa da audiência só pode ocorrer quando ambas as partes manifestem desinteresse, de modo que, no caso de apenas uma das partes se manifestar neste sentido, a audiência deve ser designada, sendo a presença das partes obrigatória, sob pena de multa por ato atentatório à dignidade da justiça.

Além das justificativas acima apresentadas, muitas outras ainda são empregadas para fundamentar a dispensa da designação da audiência obrigatória[5], porém, dentre elas, verificam-se algumas hipóteses de dispensa justificada da realização da audiência sem violação do dispositivo legal[6], quais sejam:

  1. Realização de mediação extrajudicial prévia[7];
  2. Existência de negócio jurídico processual afastando a realização da audiência[8];
  3. Existência de medida protetiva ou determinação judicial específica que indique sério conflito entre as partes[9];

Nesses casos peculiares, a dispensa seria admissível e recomendável, não havendo violação ao dispositivo legal.

Não obstante, afora essas hipóteses específicas de dispensa justificada, o que se observa na prática é que, como adiantado, a audiência inicial obrigatória de mediação ou conciliação tem sido frequentemente dispensa por motivos distintos dos previstos na lei. Tal prática é contrária ao espírito do Código de incentivo à autocomposição, o que leva ao questionamento sobre a validade do procedimento nos casos em que a audiência deveria ter sido realizada, mas não foi designada pelo juiz.


[1]                     Em São Paulo, por exemplo, o período de espera ultrapassa 1 (um) ano.

[2]                     Nesse sentido, Marcelo Mazzola: “Preocupa-nos, por exemplo, a ideia de que a falta de estrutura de determinado foro possa ser considerada argumento legítimo para justificar a dispensa da audiência de mediação. Ora, não é a lei que deve adequar-se aos juízes, mas, sim, o contrário. Aliás, todos os tribunais tiveram tempo de sobra para se estruturar e criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs)”. (Mazzola, Marcelo. Dever de comprometimento do juiz e a audiência de mediação do artigo 334 do NCPC. Críticas aos dribles hermenêuticos e à sua designação aleatória. Arruda Alvim, T. y Didier JR., F. (Orgs.). Processo de conhecimento. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 388 – Coleção doutrinas essenciais: novo processo civil, v. IV).

[3]                     Mazzola, Marcelo. (2018). Dever de comprometimento do juiz e a audiência de mediação do artigo 334 do NCPC. Críticas aos dribles hermenêuticos e à sua designação aleatória. Arruda Alvim, T. y Didier JR., F. (Orgs.). Processo de conhecimento. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, p. 385 (Coleção doutrinas essenciais: novo processo civil, v. IV).

[4]                     Mazzola, Marcelo. Dever de comprometimento do juiz e a audiência de mediação do artigo 334 do NCPC. Críticas aos dribles hermenêuticos e à sua designação aleatória. Alvim, Teresa Arruda. y Didier JR., Fredie. (Orgs.). Processo de conhecimento. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 387 (Coleção doutrinas essenciais: novo processo civil, v. IV).

[5]                     São exemplos a violação da garantia do acesso à justiça; a violação do princípio da eficiência (artigo 8º do CPC), entre outros.

[6]                     V. Mazzola, Marcelo. Dever de comprometimento do juiz e a audiência de mediação do artigo 334 do NCPC. Críticas aos dribles hermenêuticos e à sua designação aleatória. Alvim, Teresa Arruda. y Didier JR., Fredie. (Orgs.). Processo de conhecimento. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 390-392 (Coleção doutrinas essenciais: novo processo civil, v. IV).

[7]                     Enunciado 29 da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Conflitos: “Caso qualquer das partes comprove a realização de mediação ou conciliação antecedente à propositura da demanda, o magistrado poderá dispensar a audiência inicial de mediação ou conciliação, desde que tenha tratado da questão objeto da ação e tenha sido conduzida por mediador ou conciliador capacitado.”

[8]                     Cf. artigo 190 do CPC.

[9]                     Enunciado 639 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis: “O juiz poderá, excepcionalmente, dispensar a audiência de mediação ou conciliação nas ações de família, quando uma das partes estiver amparada por medida protetiva.”