Conclusão

O instituto da coisa julgada é gravado pelo interesse público. Simultaneamente, serve à tutela dos direitos de particulares, que optaram por deduzir suas pretensões perante o Poder Judiciário e dele obter tutela. Por isso, o instituto deve conciliar a natureza pública da prestação jurisdicional com os interesses privados dos particulares, que se traduz na disponibilidade processual (tomada como sinônimo de princípio dispositivo).

A opção legislativa de conceber dois regimes distintos para a coisa julgada, ampliando seus limites objetivos a fim de que o manto da res iudicata albergue também questões prejudiciais incidentais (desde que preenchidas cumulativamente certas condições) visou à promoção da segurança jurídica, da boa-fé e da economia processual. Nada obstante, restringiu a liberdade das partes na determinação do que será imutabilizado pela coisa julgada.

Nesse cenário, as diversas indagações que exsurgem ao se analisar o regime especial de coisa julgada do CPC/2015 evidenciam que o ponto de equilíbrio entre segurança jurídica e liberdade das partes, em verdade, não é facilmente mensurável. A opção legislativa – embora louvável em seus motivos – propiciou maior insegurança às partes acerca das questões que formarão coisa julgada. Trazendo à baila os ensinamentos de Humberto Ávila, “na busca por segurança – eis o paradoxo –, o homem terminou por sentir-se mais inseguro”.[1]

Sob outra perspectiva, é natural que alterações legislativas (precipuamente toda uma nova codificação) suscitem dúvidas acerca de sua interpretação e aplicação.[2]

A título conclusivo, depreende-se que o instituto da coisa julgada sobre questão prejudicial não representa violação ao princípio dispositivo. Partindo da premissa que a questão prejudicial incidental não compõe o objeto litigioso (mérito), às partes ainda pertence o monopólio na determinação do objeto litigioso. Na mesma linha, o magistrado ainda decidirá o mérito nos limites das pretensões formuladas pelas partes, não havendo o que se falar em mitigação do princípio da correlação.

Ainda, a ocorrência de contradições lógicas por decisões diversas acerca de uma mesma questão prejudicial foi reduzida significativamente (permanecendo apenas se os requisitos dos §§1º e 2º do CPC não forem preenchidos). Aumentou-se assim a estabilidade das decisões judiciais, a coerência do direito e a credibilidade do judiciário. Em contrapartida, incrementou-se a imprevisibilidade acerca de quais questões formarão coisa julgada.

É impossível antever se a coisa julgada sobre questão prejudicial, nos termos do 503 do CPC/2015, foi exitosa em promover segurança jurídica. Não se trata, afinal, de uma balança exata em que se mede segurança jurídica em um prato e, em outro, liberdade das partes. Trata-se da conciliação de ambos os princípios, essenciais ao devido processo legal que tutela direitos, na medida em que a liberdade das partes somente se concretiza em um modelo processual gravado pela segurança jurídica.


[1]                     Ávila, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 54.

[2]                     De mais a mais, a coisa julgada sobre questão prejudicial não é o único tema sobre o qual a doutrina manifesta grande divergência – basta pensar nos debates acalorados acerca das hipóteses de cabimento de agravo de instrumento (artigo 1.015, CPC/2015) ou, então, sobre negócios jurídicos processuais (artigo 190, CPC/2015).