A realização da audiência de conciliação ou mediação no Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil tem como premissa o incentivo à solução consensual dos conflitos e, para tanto, prestigiou o emprego da mediação e da conciliação (artigo 3º, § 2º e §3º), prevendo que devem ser estimuladas, sempre que possível, por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público.

A fim de operacionalizar a adoção dos meios consensuais de solução de conflitos, o legislador regulamentou as figuras do mediador e do conciliador judiciais como auxiliares da justiça[1] e, assim como a Resolução Nº 125/2010 do CNJ, determinou a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos “responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição”[2].

Além disso, como adiantado, o legislador inovou e estabeleceu que o primeiro ato do procedimento comum será, como regra, a citação do réu para comparecimento à uma audiência inicial de tentativa de conciliação ou de mediação, sendo a apresentação da contestação postergada para os casos em que a autocomposição não for alcançada.

Assim, o Código de Processo Civil, ao disciplinar o Procedimento Comum, estabelece que o juiz, ao proferir o despacho liminar positivo da petição inicial, deverá designar audiência de conciliação ou mediação antes da apresentação da defesa pelo réu.

Deste modo, se a petição inicial preencher os requisitos essenciais (arts. 319 e 320 do CPC), o juiz designará audiência de mediação ou conciliação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com, pelo menos, 20 (vinte) dias de antecedência (artigo 334, CPC).

No mandado citatório do réu ou na intimação do autor deverá constar a data, o local e a hora da audiência, bem como a advertência de que a ausência injustificada de qualquer uma das partes acarretará na aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça[3].

A opção do legislador pela obrigatoriedade da realização da audiência de mediação ou conciliação resta evidenciada, além da imperatividade do verbo “designará” (artigo 334, caput, CPC), pela punição imposta em caso de não comparecimento injustificado de qualquer das partes. Nestes casos, o Código prevê a aplicação de multa de até 2 por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, a ser revertida em favor da União ou do Estado (artigo 334, §8º)[4].

O mediador ou conciliador (artigo 334, §1º, NCPC), onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou mediação[5], observando o disposto nos arts. 165 a 175 do CPC, bem como as disposições da lei de organização judiciária e da Lei de Mediação[6].

O Código Processual prevê ainda que poderá haver mais de uma sessão de mediação ou conciliação[7], desde que não exceda o prazo de dois meses (artigo 334, §2º, CPC)[8].

A audiência somente não se realizará nos casos envolvendo direitos que não admitem transação (artigo 334, §4º, CPC)[9] ou se ambas as partes manifestarem expressamente o seu desinteresse na composição consensual (o autor, na inicial, e o réu, após ser citado, por petição, até 10 (dez) dias antes da audiência designada)[10]. 

Assim, se alguns direitos pleiteados não admitirem transação, enquanto os outros admitirem, deve o Juiz designar a audiência para a composição do litígio nos direitos em que se pode transigir. Logo, neste caso, é possível que o acordo seja parcial, cobrindo apenas a parte disponível do objeto do litígio[11]. Admite-se também que o objeto do acordo seja mais amplo que o objeto do processo, podendo, inclusive, incluir terceiros estranhos à relação jurídica processual (artigo 515, §2º do CPC).

Além disso, em reforço do estímulo à composição consensual dos conflitos, o novo Código autoriza que a audiência de conciliação ou mediação seja realizada pela internet ou qualquer outro meio de comunicação que permita a negociação à distância[12], desde que as partes estejam de acordo (artigo 334, §7º do CPC e artigo 46 da Lei de Mediação).

Resta comprovada, portanto, a obrigatoriedade da designação da audiência inicial de tentativa de mediação ou conciliação. A grande questão, após dois anos de vigência do Código, é a inobservância, pelos magistrados, da referida obrigatoriedade.

Apesar de a letra da lei ser bem clara no tocante às hipóteses de não realização da audiência, na prática, o que se tem visto é a não designação da audiência sob as mais variadas justificativas, conforme restará demonstrado no tópico a seguir.


[1]                     Artigo 149 do CPC.

[2]                     Artigo 165 do CPC.

[3]                     Na audiência judicial, as partes deverão estar acompanhadas obrigatoriamente de seus advogados ou defensores públicos (artigo 334, §9º, CPC). Essa exigência contém a ideia de que a advocacia é função essencial à administração da justiça, bem como atende aos princípios da ampla defesa e do contraditório. A obrigatoriedade do comparecimento dos procuradores não significa, no entanto, a obrigatoriedade de comparecimento pessoal das partes, as quais podem ser representadas por seu procurador ou outro representante desde que tenha poderes específicos para transigir e negociar, nos termos do §10º ao artigo 334, CPC.

[4]                     Apesar de o artigo fazer referência específica à audiência de conciliação, uma interpretação sistemática permite concluir pela aplicação da multa também nos casos de mediação.

[5]                     A legislação prevê que os mediadores e conciliadores devem possuir capacitação especifica para aplicação das técnicas consensuais, razão pela qual a legislação prioriza a sua atuação nos locais em que esses profissionais estejam presentes. Nos locais onde não há conciliadores/mediadores judiciais disponíveis, tem-se admitido que a audiência seja conduzida pelo juiz. Neste caso, em respeito ao princípio da confidencialidade, entende-se que o juiz da causa deve ser diverso daquele que conduzirá a audiência, a fim de que sua imparcialidade como julgador não reste contaminada. Na prática, porém, o que se tem observado é que o juiz que conduz a audiência é o mesmo que julga o caso, em grave ofensa ao princípio da confidencialidade e com grande prejuízo à eficácia dos métodos autocompositivos.

[6]                     Marinoni,Luiz Guilherme; Arenhart, Sergio Cruz.; Mitidiero, Daniel. (2015) Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, p. 355.

[7]                     A legislação prevê ainda que as audiências devem ser pautadas com prazo nunca inferior a 20 (vinte) minutos entre si e organizadas de modo separado das demais audiências realizadas pela Vara Cível (artigo 334, §12º, CPC). O dispositivo assegura um intervalo mínimo entre as audiências de conciliação ou mediação, mas o referido intervalo, nos termos do enunciado 583 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis, não se confunde com o tempo de duração da sessão, a qual deve durar o tempo necessário para o tratamento adequado do conflito, podendo estender-se em mais de uma sessão.

[8]                     Embora o prazo máximo fixado pela lei seja de 2 (dois) meses, defende a Profa. Ada Pellegrini Grinover que as partes, de comum acordo, poderão pedir a dilação do prazo, com base no princípio da autonomia da vontade e no disposto no artigo 190 (Grinover, Ada Pellegrini. Os Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Novo CPC. In: O Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. Vários autores, São Paulo, Atlas, 2015, p. 18).

[9]                     Importante ressaltar que a admissibilidade da autocomposição não se confunde com a disponibilidade do direito, direitos indisponíveis, mas transigíveis, também podem ser submetidos à solução consensual (artigo 3º, §2º da Lei de Mediação). Ademais, os conflitos envolvendo a Administração Pública também podem ser submetidos à autocomposição (artigo 32 e segs. da Lei de Mediação).

[10]                   Havendo litisconsórcio, todos devem manifestar desinteresse (artigo 334, §6º, CPC), e o prazo para a defesa tem termo inicial autônomo paras cada um deles (artigo 335, §1º, CPC).

[11]                   Grinover, Ada Pelegrini. (2015). Os Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Novo CPC. In O Novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. Vários autores, São Paulo, Atlas, p. 19.

[12]                   Exemplo disso é o lançamento, pelo CNJ, da plataforma de Mediação Digital.